segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Depoimento de uma viciada em futebol


Hoje não teremos texto das meninas. Vamos colocar um que a Desirée Lourenço nos mandou. Ela que acompanha nosso blog e também gosta muito de esporte:


"Eu tinha apenas 12 anos. Era viciada em futebol. Fazia escolinha desde os 8 e sabia de cor a escalação do Flamengo. Titular e reserva. Sabia cantar o hino inteirinho, logicamente. Era o orgulho do papai e em churrascos de familia sentava na mesa dos homens e discutia de igual pra igual sobre os jogos do fim de semana. Tinha opiniao, discutia e apresentava argumentos que uma menina de 10 anos não seria capaz de entender, afinal estavamos falando de futebol, ataque, meio de campo, o lateral que cruzava melhor, e o meia que ‘servia’ bem aos atacantes. No colégio era mais complicado, por muitas vezes tinha que usar de métodos injustos para ter uma chance de jogar com os meninos – como a bola era minha, se eu não jogasse, ninguem jogava. Mas era assim na primeira vez, depois os meninos passavam a me respeitar.

Mas tinham algumas coisas que eu continuava sem entender: minha mae vivia super preocupada, tudo isso porque eu tinha mania de tirar a blusa para comemorar os gols, na época de escolinha de futebol (na época, eu realmente não entendia qual era o problema). Meu pai, quando me viu conversando com os meninos falando palavrao, e segundo ele “quase coçando o saco,” também passou a desaprovar o fato da menininha dele jogar futebol. Fiz um acordo com eles na época, eu terminaria o ano na escolinha que estava, era a escolinha do Carlos Alberto Torres. Já estava escalada em um dos melhores times pra o campeonato do final do ano, não podia sair agora. E assim foi, eu pude participar do campeonato do final do ano.

Nesse dia eu levantei mais cedo, me arrumei com calma, separei tudo, meia, chuteira, camisa, calção e um short que eu usava por baixo do calção. E o manto sagrado, a blusa do Flamengo que eu mais gostava não podia faltar, mesmo que ela não saisse da mochila, ela teria que estar por perto. Foi a família inteira me assisir, afinal de contas, eles sabiam que eu mandava muito bem no esporte. Minha mãe estava preocupada com a minha canela, mal sabia ela que era melhor ela estar preocupada com a canela do time adversario (sempre fui meio estressada durante os jogos), meu pai estava preocupado em eu jogar bem. Ele me entendia. E a escolinha inteira estava prestando atencao naquela menina baixinha e magrinha que ia se destacando entre os meninos.

Final do campeonato, meu time contra o dos meninos mais velhos, no tempo normal foi 2 x 2. E aí, para a surpresa de todos, quando o juiz deu o apito final, começou a discussão se iríamos para a prorrogação ou para a disputa de penaltis. E entao, o Sr. Carlos Alberto Torres pegou o microfone e disse que quem ia decidir era a pessoa que mais estava se destacando até aquele momento. E chemou meu nome. Eu não sabia onde enfiar a minha cara, queria cavar um buraco e me esconder. Pra mim, já era normal ser uma menina no meio dos homens, mas ele não estava tão acostumado assim, ainda mais com uma jogando bem. Lá fui eu, após discutir com o meu time, dizer que queríamos a prorrogação.

Faltava pouco para terminar o primeiro tempo da prorrogação. Bola na área, meu time atacando, eu chegando pelo meio, cruzamento, a zaga tira e põe pra escanteio. Eu ia bater o escanteio, foi quando um colega do meu time disse pra eu ir pra área que ele ia bater, fui correndo, mas como era baixinha não chamei muita atenção, fiquei no segundo pau, praticamente sozinha, pulei e pedi a bola. Ele me viu, a bola veio rolando na minha direção, vi os rostos dentro da área se virarem seguindo a bola, os zagueiros tentavam, em vão, correr na minha direção, eu não precisei nem sair muito do chão. A bola veio na medida certa, só tive o trabalho de movimentar a cabeça. Glória. A última glória de uma viciada em futebol, que até hoje guarda o sonho frustrado de quem sabe ter sido muito boa."


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